O último reduto

Deitado na cama, à luz do candeeiro, reflito sobre tudo e mais alguma coisa
Uma delas é a frase que uma senhora de muita idade ao falar comigo hoje me disse:
"Luta-se tanto, e para quê?"
Ela disse isto a propósito de doenças e da morte, e isto fez-me pensar sobre a natureza desta vida. Eu não sei muito bem pelo que ela está a passar, precisaria de ter vivido tanto ou quase tanto como ela para dizer, mas concluo que questões como estas surgem a quase toda a gente com uma certa idade, questões sobre a existência;
antes disso, parece-me, andamos a brincar à intelectualidade
Sartre, Camus, diziam algo do género, constatando que a vida perante a morte é absurda
Essas teses, contudo, pelo menos para mim, não nos trazem nada de novo
Agostinho da Silva, talvez a propósito do mesmo tema, dizia: "Para tantos existir é uma queixa pegada, terem de ganhar a vida quando afinal lhes foi dada".
A vida para muitos é uma tristeza, uma luta contínua, e chega-se perante a morte e pergunta-se: "Para que foi tudo?"
Esta é uma pergunta natural, mas que reflete na minha perspetiva algum fechamento
Agostinho, contudo, representa o contrário, está nas antípodas desse pensamento
Através da frase dele, bem como da pessoa que ele era, percebemos que pode haver uma outra forma de viver, que a vida é alegria independentemente do seu fim trágico, que enquanto há vida há esperança
O que faz uma pessoa pensar assim?
Na minha opinião, é a experiência ou a recordação da saúde e alegria que brota de dentro de nós, o nosso último reduto
Uma outra pessoa, a dada altura, sobre o tema do suicídio, dizia-me que há alguma coisa que nos mantém vivos, que esse acto extremamente egoista e cego é impedido por quase tudo que nos anima, o que é uma forma deveras curiosa de ver as coisas, bem como penso eu uma grande verdade
Claro que é natural estas perguntas existenciais existirem, e fazem parte da vida, mas ou são parte do crescimento e da reflexão de uma certa idade, que se traduzem em evolução, ou são só fumos soltos à deriva numa mente algo tola, não representando grande verdade, pois para alem disso há sempre uma grande lucidez, pois cada um dentro de si sabe porque vive, sabe o que o anima,
esse algo, esse something,
o nosso último reduto